As doenças cardíacas não afetam apenas o corpo — elas mexem profundamente com as emoções. Ansiedade, medo, solidão e até depressão são sentimentos comuns entre pacientes que enfrentam problemas cardíacos, especialmente após eventos como um infarto ou cirurgia. A ciência já comprovou que o estado emocional influencia diretamente na recuperação física, e por isso, cada vez mais médicos têm buscado abordagens integradas que cuidam do paciente como um todo — corpo e mente.
É nesse contexto que a terapia assistida por animais, especialmente com cães, tem ganhado espaço como um poderoso aliado no tratamento. Essa prática, que une carinho, afeto e presença animal, tem mostrado resultados surpreendentes em hospitais e centros de reabilitação, contribuindo para a melhora do bem-estar emocional e até dos indicadores clínicos.
Um exemplo comovente é o de Seu Arnaldo, 72 anos, que sofreu um infarto e enfrentava dias de silêncio e apatia no leito do hospital. Nada parecia animá-lo — até o dia em que Tobias, um golden retriever treinado para terapia, entrou em seu quarto. Bastaram poucos minutos de carinho e troca de olhares para que os enfermeiros notassem uma mudança: Seu Arnaldo sorriu, contou histórias do cachorro que teve na juventude e, dali em diante, passou a se engajar mais nas sessões de fisioterapia. Para ele, Tobias não era só um cachorro — era a visita que curava.
O Que É a Terapia com Cães?
A Terapia Assistida por Animais (TAA) é uma abordagem terapêutica complementar que utiliza a interação entre pacientes e animais — especialmente cães — como ferramenta para promover benefícios físicos, emocionais, cognitivos e sociais. A TAA é conduzida por profissionais da saúde, com objetivos clínicos definidos, e pode ocorrer em ambientes como hospitais, clínicas, asilos e centros de reabilitação.
Mas é importante não confundir os cães de terapia com outros tipos de cães treinados para assistência. Os cães de serviço, por exemplo, são animais altamente treinados para auxiliar pessoas com deficiências específicas, como cegueira ou epilepsia, e têm acesso irrestrito a locais públicos. Já os cães de apoio emocional são companheiros que ajudam indivíduos com transtornos emocionais, mas sem o treinamento técnico ou fins terapêuticos estruturados exigidos na TAA. Os cães de terapia, por sua vez, são preparados para interagir com diferentes pessoas em ambientes clínicos, promovendo conforto, acolhimento e estímulo emocional.
A história da TAA remonta a séculos atrás, mas ganhou reconhecimento científico no século XX. Um dos marcos mais notáveis foi durante a Segunda Guerra Mundial, quando o médico e psiquiatra Boris Levinson observou os efeitos positivos da presença de seu cão, Jingles, em sessões com pacientes infantis. Desde então, pesquisas e iniciativas se multiplicaram, demonstrando que o vínculo com os animais pode ter efeitos terapêuticos reais — incluindo em pacientes com doenças cardíacas, como veremos ao longo deste artigo.
O Coração Também Precisa de Afeto: O Impacto Emocional
Problemas cardíacos raramente afetam só o coração — eles abalam também o emocional. Pacientes que enfrentam um infarto, uma cirurgia cardíaca ou mesmo um diagnóstico de hipertensão costumam vivenciar altos níveis de estresse, ansiedade e medo, o que pode dificultar a recuperação e, em alguns casos, agravar o quadro clínico. Estudos demonstram que o estresse crônico eleva a pressão arterial, aumenta a frequência cardíaca e interfere no funcionamento do sistema imunológico — fatores que comprometem a saúde cardiovascular.
Nesse cenário, a terapia com cães surge como uma intervenção poderosa. Pesquisas realizadas em hospitais ao redor do mundo mostram que a simples presença de um cão de terapia pode reduzir significativamente a pressão arterial e a frequência cardíaca dos pacientes, especialmente durante períodos de internação ou reabilitação. Em um estudo conduzido pela American Heart Association, pacientes cardíacos que interagiram com cães durante sessões supervisionadas apresentaram uma redução mais rápida nos níveis de estresse após procedimentos invasivos.
Além dos efeitos físicos, os benefícios emocionais são profundos. O contato com um cão — um animal que oferece afeto incondicional e não exige nada em troca — ajuda a melhorar o humor, aliviar sintomas de depressão e reduzir a sensação de solidão, tão comum entre pacientes internados por longos períodos. Muitos relatam que, ao acariciar um cão, sentem-se mais “humanos”, mais próximos da vida fora do ambiente hospitalar e, principalmente, mais motivados a seguir com o tratamento.
A presença desses animais, portanto, vai muito além do entretenimento ou distração: ela toca o coração no sentido mais literal e simbólico da palavra.
Casos de Sucesso em Hospitais
A terapia com cães deixou de ser uma curiosidade e passou a integrar, de forma crescente, o cotidiano de hospitais ao redor do mundo. Instituições de saúde em diversos países têm incluído os cães de terapia como parte oficial do tratamento de pacientes com condições crônicas — e os resultados têm sido notáveis, especialmente na cardiologia.
No Brasil, o Hospital Universitário da USP (HU-USP) e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, são pioneiros na utilização de cães em ambientes hospitalares. No Einstein, por exemplo, o projeto “Pelos que Curam” atua com cães treinados que visitam pacientes internados, inclusive em unidades cardiológicas. Os próprios profissionais relatam mudanças visíveis: melhora no humor dos pacientes, mais disposição para realizar fisioterapia e até maior abertura para conversar com médicos e familiares.
Fora do Brasil, o Cedars-Sinai Medical Center, em Los Angeles (EUA), é referência mundial nesse tipo de abordagem. Lá, a terapia com cães é parte do programa de bem-estar hospitalar. Em uma das pesquisas conduzidas no centro, pacientes com insuficiência cardíaca que participaram de sessões com cães tiveram redução média de 17% na pressão arterial sistólica e de 24% na frequência cardíaca, comparados a pacientes que não receberam a visita dos animais.
Além dos dados, os relatos emocionam. Uma paciente brasileira que participou do programa relatou:
“Naquela semana, eu não tinha vontade de levantar nem para tomar banho. Depois que a cadelinha entrou no quarto e deitou no meu colo, eu me senti viva de novo. Era como se meu coração lembrasse por que ainda estava batendo.”
Esses casos demonstram que os benefícios da terapia com cães não são apenas perceptíveis — são mensuráveis, repetíveis e profundamente humanos. Em um ambiente onde o medo e a dor são constantes, o rabo abanando de um cão pode ser o início de uma recuperação mais leve e mais eficaz.
Como Funciona a Terapia com Cães na Prática?
Embora pareça simples à primeira vista, a terapia com cães é uma prática cuidadosamente planejada e conduzida por profissionais treinados. Para garantir segurança, eficácia e bem-estar tanto dos pacientes quanto dos animais, existem critérios rigorosos a serem seguidos.
Requisitos dos cães e dos terapeutas
Os cães de terapia passam por um processo rigoroso de seleção e treinamento. Eles precisam ter temperamento calmo, serem sociáveis, obedientes e não apresentarem sinais de agressividade ou medo excessivo. Além disso, são submetidos a avaliações de saúde constantes e precisam estar com todas as vacinas em dia. Raças como Golden Retriever, Labrador e Poodle são frequentemente utilizadas, mas qualquer cão, de qualquer raça ou porte, pode ser um terapeuta eficaz — desde que atenda aos critérios comportamentais e de saúde.
Já os terapeutas ou condutores são, em geral, voluntários capacitados e supervisionados por profissionais da saúde. Em alguns programas, a terapia é realizada com a presença de psicólogos, fisioterapeutas ou enfermeiros, que definem os objetivos clínicos e acompanham as sessões.
Frequência das visitas e atividades realizadas
A frequência das visitas varia conforme o programa de cada hospital, podendo ser semanal, quinzenal ou até diária em centros com maior estrutura. As atividades realizadas incluem desde interações simples — como acariciar o cão ou conversar com o condutor — até práticas mais direcionadas, como caminhar com o animal durante a fisioterapia ou usá-lo como estímulo em sessões de reabilitação motora ou cognitiva.
Essas interações são breves, geralmente entre 15 e 30 minutos, e respeitam o estado clínico do paciente. Os cães não forçam contato e sempre se retiram ao menor sinal de desconforto.
Medidas de segurança e higiene
Por se tratar de um ambiente hospitalar, o controle sanitário é essencial. Os cães são higienizados antes de cada visita, com foco especial nas patas e pelagem. Muitos hospitais exigem banho no dia da sessão e aplicação de antipulgas recente. O acesso a áreas como UTI é restrito, mas em setores autorizados, há sempre protocolos rígidos de biossegurança.
Além disso, os programas contam com autorização ética e seguem regulamentações da instituição hospitalar e dos conselhos de saúde, assegurando que a prática seja segura, tanto para humanos quanto para os animais envolvidos.
O Que Dizem os Especialistas?
A integração entre medicina tradicional e abordagens complementares sempre foi um tema de debate, mas no caso da terapia com cães em ambientes hospitalares, o consenso entre especialistas tem se fortalecido: a presença dos animais pode trazer benefícios reais e mensuráveis à saúde, especialmente em pacientes cardíacos.
Segundo o cardiologista Dr. Marcelo Lemos, do Instituto do Coração (InCor-SP), “as emoções têm impacto direto sobre o sistema cardiovascular. Quando reduzimos o estresse e promovemos bem-estar, os efeitos aparecem em exames clínicos. Pacientes mais calmos respondem melhor à medicação, ao repouso e à fisioterapia. A terapia com cães é uma das intervenções não farmacológicas que mais contribuem para isso.”
Do ponto de vista psicológico, a psicóloga hospitalar Dra. Helena Duarte, que atua em um hospital público de São Paulo, afirma que os cães funcionam como um “facilitador emocional”:
“Muitos pacientes estão fechados, deprimidos, ou simplesmente exaustos emocionalmente. O cão rompe essa barreira. Ele não precisa dizer nada — ele apenas está ali, presente, e isso é profundamente terapêutico.”
Estudos científicos corroboram essas percepções. Um artigo publicado no Journal of Critical Care analisou pacientes internados com insuficiência cardíaca e verificou que, após sessões de apenas 12 minutos com cães de terapia, houve uma redução média de 10% na pressão arterial e 15% na frequência cardíaca, além de melhora no relato subjetivo de bem-estar. Outro estudo da Universidade de Nova York mostrou que a presença de um cão durante a recuperação pós-cirúrgica resultou em menor necessidade de analgésicos em pacientes cardíacos.
A integração entre medicina convencional e terapias complementares como a TAA vem crescendo justamente por essas evidências. Em vez de substituir os tratamentos tradicionais, a presença dos cães os complementa — tornando o cuidado mais humano, mais completo e, muitas vezes, mais eficaz.
Essa visão mais ampla da saúde, que considera o emocional como parte fundamental da cura, representa um avanço no modelo hospitalar, que já começa a ser adotado em grandes centros médicos no Brasil e no mundo.
Como Participar ou Apoiar Iniciativas Semelhantes
O crescimento da terapia com cães em hospitais tem despertado o interesse de profissionais e voluntários. A boa notícia é que há formas práticas de se envolver — tanto para instituições quanto para pessoas físicas.
Para hospitais
Hospitais que desejam implementar a terapia assistida por cães devem contar com o apoio de suas equipes médicas, psicológicas e de controle de infecção. É importante criar protocolos claros de biossegurança, definir critérios de atendimento e estabelecer metas terapêuticas. Parcerias com ONGs especializadas facilitam o processo, oferecendo estrutura e experiência.
Para voluntários e ONGs
Quem tem um cão calmo e sociável pode procurar organizações certificadoras para realizar treinamento e avaliação. Voluntários também passam por capacitação para atuar com segurança e sensibilidade ao lado dos pacientes. ONGs ajudam na organização das visitas e apoio técnico.
Instituições reconhecidas no Brasil
INATAA – Instituto Nacional de Ações e Terapias Assistidas por Animais
Pelos que Curam (Hospital Albert Einstein)
Projeto Cão Terapeuta (SP)
Pet Terapia HU-UFJF (MG)
Essas entidades oferecem suporte e oportunidades para quem deseja fazer parte dessa causa transformadora.
Conclusão
A terapia com cães tem mostrado ser uma abordagem poderosa e transformadora no tratamento de pacientes cardíacos, proporcionando benefícios que vão além dos aspectos físicos da recuperação. A redução do estresse, a melhora na pressão arterial e na frequência cardíaca, além do alívio da solidão e da ansiedade, são apenas alguns dos ganhos comprovados. Esses resultados não são apenas emocionais ou superficiais — eles têm um impacto direto na saúde cardiovascular dos pacientes, promovendo uma recuperação mais rápida e eficaz.
Mais do que um simples tratamento, a TAA nos lembra da importância de tratar o corpo e a mente juntos. Em um cenário hospitalar, onde o medo e a dor frequentemente dominam, o afeto e a companhia de um cão podem ser a chave para uma recuperação mais humana e integrada.
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